domingo, 5 de setembro de 2010

Desabafo


Não sei como começar a narrar essa parte de minha historia, parte que não me orgulho, mas que a culpa que guardo dentro de mim, me força a colocá-lo para fora, e nessas horas, em que não se há confidentes, e que não poderia haver, pois é uma vergonha intima a que guardo, a folha e a pena são belas ouvintes, não reclamam, não criticam, não nos fazem sentir mais dor, apontando os nossos erros, os quais, já somos cientes e por isso nos fazem infelizes, talvez a confissão dele, ao único que poderia dar-me o perdão, e livrar me da culpa, fosse a melhor forma, hoje, já não podendo mais o fazer, sei que essa misera folha e a pena, por mais que me ouçam, não vão me dar o que é necessário para a limpeza da alma, e para o meu conforto, talvez, e é o que espero, um conforto, passageiro, até que a razão, ou a loucura, não sei o que dizer disso, venha aparecer dentro de minha alma, e venha me impedir de sorrir novamente. Você mesmo, leitor, há de confessar que já cometeu erros, e que eles, enquanto ainda os tinha na memória, com o peso da culpa, tiravam seu sono, e invadiam seus sonhos, de forma que se tornara desconfortável descansar, o meu é assim. Peço-te para que guarde segredo e não conte a ninguém, conto essa passagem para a folha, você que vens por vontade ler, por tanto, se vens por vontade, com a mesma vontade há de guardá-la, honre a ti mesmo, faça-se fiel, caso saiba que não és capaz de guardá-lo, nem comece a lê-lo, pare por aqui mesmo, para que não torne impuro o seu caráter, se pretendes continuar, saibas que como disse, mas não custa repetir, escrevo como forma de conseguir um conforto, um desabafo, então se continuares, eu lhe terei como amigo, por que me ouvistes, e guardastes o meu segredo, como nenhum outro fez, outra coisa que lhe peço antes de começar, é que não carregues minhas lamentações, escutar-me basta, já me é um grande obséquio.
Tudo se deu como algo comum, que vem a acontecer com qualquer um, apenas um furo na rotina das minhas sextas-feiras, sai do trabalho cansado, exausto da semana corrida, me dirigi a um bar, isso era para mim como um ritual, um decreto de que nos próximos dois dias eu finalmente teria o descanso que os meus músculos, e minha mente desejavam. Enquanto estava a me deliciar em um copo de cerveja, me aparece um amigo, demorei para reconhecê-lo, a aparência me era familiar, mas, não consegui descobrir dentro da memória maiores coisas, só me lembrei que fora um amigo da universidade. Ele cumprimentou-me:
-Olá, não lembras de mim?-O que me entregou, o esquecimento, deve ter sido o olhar de desconfiança que o lancei, sobre o que respondi, não menti:
-Para ser sincero...não!
-Como não?! Seu companheiro de estudos, Guilherme!- De fato, era Guilherme, a pessoa que mais me apeguei no curso de direito, me questionei durante um tempo como me esquecera dele, a conclusão que cheguei, é que deve ter sido a semana, e como estava no bar para relaxar, pensei em esvaziar a mente de toda e qualquer coisa, não importando o gênero das mesmas. Guilherme era um jovem rapaz, digno dos elogios que recebia, cheios de características louváveis, o admirava, não só como estudante, mas o seu caráter, nos tornamos amigos durante os estudos, o afeto que o tinha, se mantinha o mesmo, sei disso porque me arrependo de ter me esquecido dele, nesse intervalo de tempo, da formação até agora,  a distancia não fez mais do que seu papel de separar, acabamos nos acostumando, mesmo assim ainda era guardado no coração como um grande amigo.
-Guilherme!- Eu disse surpreendido, não esperava encontrá-lo ali, me levantei para abraçá-lo, e nesse abraço saciei toda a saudade que tinha dele, e o usei como pedido de desculpas pelo esquecimento, meu medo era que ficasse do esquecimento, uma impressão, de que tudo que disse sobre nossa amizade fosse mentira, usei o abraço como forma de desmentir a impressão se é que a pensou, se não a pensou, ao menos serviu para demonstrar o tamanho afeto que ainda sentia.
-Como vai?-Perguntou-me.
-Vou bem, mas e você?
-Vou bem.-Foi ao final dessas palavras, que percebi que estava acompanhado, era uma bela moça, lindíssima, parecia separada por Deus, para ser a representante da beleza divina na terra, cada traço, assemelhava-se a suavidade das curvas que eram próprias das nuvens, seus cabelos, loiros e reluzentes, seus alhos azuis claríssimos.
Meu amigo e eu, conversamos, até o bar fechar, não me lembro as horas, mas, pouco importa isso, quando sabes que reencontrou um amigo, mais que isso, teve a oportunidade que conversar durante um tempo com ele, tempo suficiente para reatar os laços. Nossa conversa durou, umas duas horas, foi a melhor forma que gastei meu tempo, não durou muito por nada, conversamos sobre tudo, falávamos de nós mesmos, e de nossas mudanças, e o que acontecera depois da universidade,  me deu seu telefone, e diariamente íamos um a casa do outro, e papeávamos durante horas, nos tornávamos melhores amigos novamente. Com esse contato, que era de meu agrado, veio também o meu pecado, cada vez que encontrava com Catarina, esse é o nome da esposa de Guilherme, tirava as mesmas conclusões, doe-me dizer isso, mas é por esse motivo que escrevo, de forma que não há absolvição sem confissão, a cada dia me apaixonava mais por ela, era algo involuntário, a dor que me dá em relatar isso, não se mede com nenhuma palavra, nas horas em que pensava nesse sentimento, meu coração parecia querer parar, até por minha vontade, creio que se tivesse o controle das batidas cardíacas, as teria feito ir a zero, tinha vontade de me fazer sofrer, qualquer tipo de tortura que me causasse dor física, para mim, não era suficiente para pagar por aquilo que sentia, fui indigno da amizade mais verdadeira que tive. Leitor se minhas letras agora ficam meio difíceis de se ler, é por que minhas mão estão tremulas, e se aparecem borrões, são as lagrimas que me desceram pelo rosto e pingaram o papel, perdoe-me por atrapalhar a sua leitura. Tudo que escrevi antes, já era para mim horrendo, o ódio que tinha de mim mesmo, desta maldita carne que me fizera cometer o maior pecado, contra a maior pessoa que conheci. Mas foi em um momento de fraqueza, que deixei minhas virtudes de lado, se é que ainda as tinha, e me tornei a mais medíocre das criaturas, um dia, quando fui visitar Guilherme, Catarina convidou-me para entrar, disse-me dentro de casa que ele viajou, e só iria voltar dai a dois dias, os pensamentos impuros que nunca achei que fossem capazes de habitarem dentro de mim, me dominaram, e me fizeram agir segundo eles, me embriaguei de vontades, e me rendi a elas, não tenho coragem, e o pouco de sensatez que me resta, me causam vergonha de dizer o que se deu de forma detalhada, vou ser mais direto agora, beijei Catarina, isso basta, não sei como consegui chegar em casa, não estava lúcido, meus passos eram incertos e cambaleava nas ruas, não olhava o que se passava, olhava na hora para dentro de mim, e me xingava com todas as palavras possíveis, tinha mais ódio ainda do meu corpo e do meu espírito, queria me ver na miséria, não me achava digno de nada que possuía. Quando cheguei em casa, ali permaneci durante meses, sem abrir portas e janelas, só saia para repor a comida que acabava no armário, não atendia aos telefonemas, fui demitido, vivia com o dinheiro que guardara a um tempo, quando o acabou, me tornei pedinte na porta da igreja, e um dia desses,  passou Guilherme e Catarina, ela estava linda e graciosa como sempre, e Guilherme, parecia o mesmo homem, seguro das coisas. Meu estado era lamentável, por isso, creio que não me reconheceram. Minha vontade era não sair dessa situação, para pagar o preço dos meus pecados, mas como o ser humano tem tendência a escapar da justiça, voltei a viver “dignamente”, aos olhos da sociedade, recusando o castigo que me condenei, mas só quando soube da morte de Catarina, "como soube?" deves se perguntar, pois aqui vai a explicação: Guilherme me enviou cartas desde quando sumi, não pensaste que uma amizade tão importante com era a nossa, seria assim tão facilmente jogada aos vermes, em todas elas dava-me noticias sobre ele, uma delas foi falando sobre a morte de sua esposa, a ultima que me enviou, disse ter concluído, sem resposta as cartas que mandara anteriormente, que me mudei de endereço. Após conseguir um emprego, pedi transferência para outra cidade, fui para Curitiba, o mais longe que pude, só para evitar encontrar com o meu melhor amigo. Não sei mais de noticias dele, e ainda me bate saudade no peito, da amizade sincera que tive, a primeira e única, tão forte e frágil, que foi destruída por um beijo. Tentei esquecer a historia, me casei, com uma moça formosa, se me perguntas se gosto dela, sim gosto, mas apenas isso, casei para tentar esquecer, não por amor, muito me dói essa confissão também, mas se fez necessária, caso contrario não seria omitir parte da historia, seria torná-la uma mentira, e isso é uma coisa que não cabe em um desabafo. Hoje tenho filhos, não digo que sou infeliz, mas também não sou feliz, sinto um vazio, um remorso, dentro de mim, e acima de mim, a culpa que carrego, acho que me adaptei, e me lamento menos que antes, mas essas coisas não se esquecem, elas entram em nosso sorriso, e o tampam, mas não tenho motivos para sorrir, mas também não tenho para franzir o rosto, aproveito o máximo que posso o que me resta da vida, mas nada, nada, me enche o vazio que me foi deixado pelo meu pecado, talvez o perdão o tapa-se mas agora já é tarde.

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