Eram seis da manhã quando me dirigi ao ponto de ônibus da minha rua para ir ao trabalho, não esperei muito, mas como nada é perfeito, o ônibus estava lotado. O ponto já estava cheio quando cheguei então fui um dos últimos a entrar, mas quando faltava apenas umas duas pessoas subirem para eu finamente embarcar, notei que uma mulher ruiva, bem vestida, deixou seu celular cair, foi uma daquelas horas em que os segundos passam mais rápidos por mais que quiséssemos que passassem da forma mais lenta possível, parei, esperei a pessoa que estava a minha frente subir, nisso deu tempo de pensar em todas as atitudes cabíveis, porem sem ter coragem de decidir nenhuma. Por mais rápido que os segundos passassem, vi as coisas ao meu redor acontecendo em uma velocidade incrivelmente lenta, de forma que não é exagero dizer que entrei na velocidade dos meus próprios pensamentos, entretanto a única coisa que pude reparar na mulher, que estava de costas, foi os cabelos ruivos e um andar suave, quando me dei conta de que teria que embarcar, dei um salto em direção ao celular, o peguei, e tentei chamá-la com "psiu's", mas ela não me ouviu, como estava em cima da hora, embarquei, guardei o celular em minha pasta, e fiquei pensando sobre como encontrá-la, passei praticamente a viagem inteira pensando nisso, só percebi que estava fora de mim quando o ônibus parou, havia chagado ao terminal, me dirigi na fila para o próximo ônibus que deveria pegar, confesso que nesse trajeto também me distrai, a prova é que não me lembro nem se quer de como fui do desembarque até a fila do outro, não me lembro do trajeto, esqueci até de comprar meu jornal, lembro-me de alguém tentando chamar minha atenção, deve ter sido inclusive o vendedor, mas o ignorei, um pouco por não querer me desviar dos meus pensamentos, ou por estar submerso nos mesmos, a única lembrança que tenho, desse momento, foi de quando meu ônibus veio e me apressei para subir o mais rápido possível, queria sentar e saber mais sobre a "misteriosa mulher ruiva", tentei sentar em uma das cadeiras individuais, mas estavam todas ocupadas, então sentei na cadeira da janela, e da ultima fileira, peguei então minha pasta, com a ansiedade que é típica dos curiosos, peguei o celular na mão, mas fiquei olhando ele, me faltou a coragem para desbloquear o teclado e começar a explorá-lo,"não seria uma invasão a privacidade da pessoa?""será que isso é de fato correto?" foram essas as perguntas que a observação gerou. Após um tempo pensando nas respostas, abandonei a idéia da exploração, apenas olhei os contatos: Mamãe, Casa, Papai, etc. Minhas primeiras conclusões foram de se tratar de uma mulher bastante caseira, ou familiar, se não for nenhuma das duas, pelo menos tem um grande afeto pela família, caso contrário não teria escrito "Mamãe", teria simplesmente colocado "Mãe", ou talvez eu estivesse ficando louco com os pensamentos, mas de fato mamãe é um tratamento mais carinhoso que mãe, porem duvidei da teoria, se tratando dos dias atuais, não é uma coisa comum uma jovem de vinte á vinte e cinco anos, ter um tratamento tão carinhoso com os pais, quem sabe trata-se de uma garota diferente, fiquei uns minutos imaginando o perfil dela, mas um quebra mola quebrou minha linha de raciocínio, e então voltei a realidade e tentei ligar para o contato Casa, chamou, e ninguém atendeu, nesse momento já estava próximo da empresa, pensei em deixar de lado essa historia e me concentrar nos assuntos profissionais.
Sai do trabalho as sete da noite, assim que entrei no ônibus fiz o mesmo trajeto, procurei as cadeiras individuais, sentei em uma que estava vaga, e peguei o celular, tentei telefonar para "Casa" novamente, mas ninguém atendeu, enquanto o telefone chamava, em minha mente estava pensamento de como seria a voz, os traços do rosto, o perfil, e foi nesse instante que a curiosidade voltou a tona," Ora, posso saber tudo o que quero, basta olhar", foi o pensamento mais irresistível que tive até hoje, e por mais que a ética não me permitisse, o bloqueio não me parou, fui capaz de tira-lo e ir o mais rápido possível para as mensagens, mas assim que entrei o celular tocou, era uma mensagem chagando, dizia "Olha, acabei de ficar sabendo que vai haver um show semana que vem, que tal?", "será que ela tem namorado? Mas a final o que isso me importa?", tentei me distrair me focando nas outras mensagens:"Foi muito bom ontem, poderíamos marcar novamente", "como assim? de fato ela tem namorado!", mas não entendi por que me decepcionei, fiquei me questionando mas sem chegar em uma resposta concreta, tentei buscar mais traços do perfil, nenhum lugar melhor que nas fotos, tinham fotos de paisagem, e grupos de amigos, fotos em teatros, com livros também, a maioria em bibliotecas e com amigos, bem parece ser uma pessoa que gosta de sair, principalmente com os amigos, e bem culta, com um jeito diferente de se ver, admito que fiquei bastante curioso quanto a isso, quanto a profissão, me sugeri bibliotecária, professora, ou atriz, o que justificaria as viagens com o elenco para peças e as fotos em frente aos teatros, depois dessas deduções, migrei para as musicas, e fiquei bestificado quando vi Beatles, Legião, e bandas tão incomuns nos ouvidos de outras jovens da mesma idade," Com certeza ela é diferente", todas as conclusões me fizeram pensar, decidi então procurá-la e devolver o celular, mas não só isso, se possível conhecê-la de fato, nesse momento já havia chegado em casa, como o próximo dia era sábado, preferi dormir e descansar e depois começar a busca, infelizmente o descanso não foi possível, não dormi nem relaxei, cheguei a me levantar a meia noite somente para saciar a vontade de descobrir que era a "mulher misteriosa", as a sensatez me pôs de volta a realidade, do mesmo jeito, contei os minutos, quando deu nove e meia da manhã, sai em busca dela, como já estava pronto desde as seis, apenas sai, fui até onde a vi pela ultima vez, da li tentei ligar para ela, e ela atendeu:
-Alô! Alô?- fiquei sem palavras durante alguns segundos
-Oi!
-Quem fala?
-É o Miguel, é que você deixou cai seu celular, ontem, e gostaria de te entregar!
-A sim claro!
-Você pode me falar seu endereço, eu vou até ai!
-Tudo bem, mas onde você está?
-Exatamente no ponto em que você perdeu o celular!
-Ah! Vire a esquerda e siga em frente, estarei te esperando! Tchau!
-Tchau! - A cada passo a adrenalina subia, o coração apertava até que, lá estava ela, seu rosto com traços suaves como o seu caminhar, e os olhos claros, simplesmente nada menos do que linda!
-Oi - Eu falei
-Oi - Ficamos nos olhando durante um tempo, até que eu voltei a mim
-Ah! Aqui está seu celular!
-Muito obrigada, obrigada mesmo!Bem eu tenho que fazer umas coisas em casa então...
-Tudo bem, até mais!
-Até!- O nervosismo foi tanto que não consegui pronunciar as frases que queria, ficaram presas na garganta, lá se alojaram e não quiseram sair, de qualquer forma, não tinha coragem de voltar lá, então esperei atenciosamente a segunda feira, na expectativa de encontrá-la descendo do ônibus novamente, e que se possível seu celular caísse, mas a segunda veio, e outras segundas também vieram, mas ela não veio, mesmo assim até hoje espero ela no ponto, as vezes passo em frente a casa dela varias vezes, e nem sinal dela, isso me fez questionar se tudo não passou de um sonho, mas se de fato foi sonho, foi o sonho.